COMO LIDAR COM A INFANTILIZAÇÃO DE UM DESENHO
É hora de entrarmos num
assunto polêmico. Sim, sim, afinal, é um assunto que mexe muito com as nossas
memórias afetivas, com essas experiências (às vezes desde lá da infância) que
formaram a nossa personalidade nerd ou otaka, e que diz respeito a como elas
são cruelmente modificadas anos mais tarde, por produtores gananciosos que não
têm nenhum respeito por nossas paixões!
...Mas, calma lá, será
que é assim mesmo?
Hoje nós vamos falar
sobre animações que têm seu rumo afetado de um modo, digamos, infantilizador,
obras que em vez de acompanhar o crescimento físico e intelectual da sua
audiência acabam por abandoná-la, buscando outra, mais jovem, menos crítica,
mais inocente.
(E, em outro momento,
também vamos falar do contrário, dando uma analisada naqueles desenhos que
evoluíram com o tempo, desenvolveram seus personagens e suas atmosferas e
acabaram por mudar muitos dos temas tratados.)
COMO É E QUAIS SÃO OS PROCESSOS DE INFANTILIZAÇÃO
É, eu imagino que só
com essa breve introdução uma penca de animes e desenhos já devem ter vindo à
sua cabeça, né? E se esse era um anime ou desenho que você acompanhava, nossa,
sinto muito, talvez você já esteja espumando e tudo. Mas espera aí. Antes,
vamos entender rapidinho como esse processo funciona. Basicamente, por tudo o
que eu vi, há 3 meios de se alterar uma determinada obra de modo a
descaracterizá-la e infantilizá-la. Entender isso é interessante, pois nos
esclarece muito sobre os motivos e os mecanismos pelos quais esses processos se
dão. Então, vamos lá:
REBOOT BABY
1. basicamente é você se aproveitar de uma franquia transformando seus protagonistas em bebês ou crianças pequenas. Invariavelmente, isso irá afetar outros personagens, que ganharão novas funções e passarão a ser meio que babás (ou coisa parecida) desses bebês. Isso também costuma exigir uma troca de cenários, para um ambiente onde seja mais coerente a presença de crianças. Os personagens passam a ser tremendamente estilizados, não só no design, mas também na personalidade, perdendo suas camadas. Tudo se resumirá à comédia, já que, bem..., é o que dá pra ser. Nesse caso, o que sobra do original é mais a marca mesmo, e, no máximo uma nostalgia estranha, porque a história... coitada da história. Um exemplo atual é a animação Drama Total, uma história sobre um reality show (e que brinca com as convenções desse tipo de programa) com 22 personagens disputando entre si através de desafios, e que vão sendo eliminados. Em sua nova sequência, Total Dramarama, a história passou a ser sobre crianças aprontando numa creche... o que levou muitos fãs a se perguntarem: qual é a necessidade de fazer uma continuação se ela será tão descaracterizada? Difícil responder.
PARÓDIA
2. é
bastante próximo do reboot baby, mas sem o rejuvenescimento dos personagens. Ou
seja, é tirar proveito da franquia para fazer uma coisa completamente diferente
dela, apelando para o humor em detrimento da narrativa, estilizando personagens
de modo que deles só sobre um estereótipo caricato. Muitas vezes os papéis são
ressignificados, mas, nesse caso, preserva-se tudo do original que possa ser
útil à comédia. Assim, os heróis (por exemplo) continuam sendo heróis, mesmo
que de modo menos heróico, e as animosidades com os vilões são mantidas. Claro,
pode haver uma mudança nas carreiras, ou no modo como o personagem enxerga sua
posição no mundo. O exemplo que talvez melhor se encaixe nessa descrição é Teen
Titans Go!, que perdeu as doses de aventura e ação que caracterizavam a
animação para mostrar uma paródia cheia de um humor que muitos julgam como
questionável.
MUDANÇA DE DESIGN
3. esse é o tipo menos agressivo (por assim dizer) de alteração na
história. Afinal, ainda que o volume de humor dê uma aumentadinha para agradar
o público mais novo, não fere a essência como um todo. De fato, a narrativa
insiste no mesmo padrão, assim, a aposta para atrair um público jovem se foca
mais em aspectos estéticos, ou seja, nas alterações no visual, no design, e, de
vez em quando, sim, numa simplificação da história. Assim, o personagem principal
continua fazendo o que sempre fez, mas, em vez de o desenho ganhar
profundidade, ele a deixa de lado em prol de uma narrativa mais engraçadinha,
bobinha, sem grandes pretensões... Aí podemos encaixar Pokémon desde Alola ou
Ben 10 desde Omniverse.
AGORA DISCUTAMOS
Mas... por quê?, você
se pergunta. A resposta é bem simples, na verdade, e, você sendo inteligente já
deve ter uma ideia: alcançar novas audiências. Pois é, os estúdios precisam de
público pras suas obras, e, às vezes é necessário renová-lo. Essa resposta talvez
não te satisfaça, você pode estar pensando, por exemplo, que seguir com uma
audiência fiel já é o bastante, e que os produtores deveriam preservar o
purismo das obras, porque a qualidade é o mais importante. Mas, infelizmente,
essa audiência fiel nem sempre é assim tão fiel. Você pode dizer que não, que
você continuaria assistindo o Ben 10 naquela pegada mais badass de Alien Force
para o resto da sua vida, e, claro, pode ser verdade, longe de mim afirmar que
não, mas... acontece que os números mostram um quadro geral não tão compatível
com essa postura. Supremacia Alienígena foi um pequeno fracasso, e,
naturalmente, os produtores viram que, para o bem da franquia, eles teriam que
buscar público em outro lugar.
Revoltante? Talvez. Digo,
Teen Titans Go! não é lá uma grande atração, convenhamos, é tosco até, verdade...
mas essa é uma visão minha, e possivelmente sua, que talvez não seja
compartilhada com os mais jovens.
“Então é melhor acabar
de vez!”, alguém mais incisivo pode dizer. Olha, é verdade. Em alguns casos é
verdade. Acho que Total Dramarama tem muito pouco a contribuir com a franquia
do Drama Total, e, muito provavelmente, é só um jeito de fazer um dinheirinho a
mais com o nome. Mas é uma verdade parcial. A gente pode colocar esse
pensamento em uma outra perspectiva.
Afinal, essa nova
geração de fãs que está sendo formada (olha o spoiler:) não será criança para
sempre, e essas alterações podem servir como um meio para dar gás à franquia
num futuro mais ou menos próximo. Essas infantilizações podem servir como boas
portas de entradas, mantendo as séries vivas até o ponto de poderem ganhar
formatos mais interessantes. Claro, essa é uma perspectiva otimista e nem
sempre o resultado é bem esse, ainda assim, talvez se deixássemos as mentes
abertas, quem sabe não teríamos mais consistência pro futuro das nossas
animações favoritas?
Outro ponto importante
a se considerar é: a franquia não é nossa. Não se irrite comigo, por favor, eu
sei que a gente tende a ter uma pontinha de ciúme e possessividade com nossos
desenhos favoritos e marcantes, mas se usarmos a nossa razão, bem, aí veremos
que é, é verdade, eles não nos pertencem. E isso é não é ruim. Esses desenhos
são repensados para agradar outro público. Isso não ótimo? Deveria ser, afinal,
a audiência deles (do público jovem) é tão válida quanto a nossa, não é? E, no
futuro, eles têm tudo para ser tão fãs quanto nós, por que não? Não à toa,
alguns desses desenhos acabam fazendo piadas com o próprio hate sofrido por
parte da audiência mais madura.
CONCLUSÃO
Esse é um assunto
surpreendentemente complexo, onde é difícil encontrar consenso. Mas, ainda
assim, eu acho que precisamos parar e pensar com calma, e discutir com
argumentos. Afinal, esse tipo de infantilização das histórias não é novidade e,
para falar a verdade, acho que nunca deixará de ser. As franquias são valiosas,
e precisam ser aproveitadas da melhor (ou da mais rentável) forma possível.
Mas então tudo não passa
de ganância? Em parte sim... Quer dizer, talvez ganância seja uma palavra
forte, mas a gente sabe: o lucro é o norte de tudo. A qualidade artística, a
identidade de uma franquia, tudo isso é secundário. E esse é o lado ruim da
história, mas é o lado que está aí, que regula o mercado, e não adianta a gente
fingir que não é assim, ou se basear numa concepção fantasiosa de como deveria
ser. Pelo menos pro presente, pro curto ou médio prazo, não adianta.
Não há nenhum mal em
questionar e criticar, em usar sua voz pra expressar sua opinião a respeito de
uma obra pela qual você tem carinho. Mas ao fazer isso é importante você levar
em consideração as novas audiências e as possíveis contribuições dela.
Às vezes acho que há
inclusive uma subestimação da audiência infantil, e digo isso por parte dos
produtores e criadores mesmo. Há a ideia de que um desenho precisa ser
idiotizado para agradar crianças, esse um ponto válido pra discussão. Crescemos
assistindo Cavaleiros do Zodíaco, Yu Yu Hakusho, Sailor Moon, enfim..., talvez
não sejam obras perfeitas, mas eram (e são) desenhos muito bons, com seu nível
de complexidade, e mesmo que não compreendêssemos todos os elementos ali
presentes, não éramos impedidos de apreciar a obra, não é? ...Pois é, então...
O fato é que é difícil
determinar o quanto as crianças são ou não contempladas por essas alterações.
Pokémon era como era quando nos conquistou... por que não agradaria as novas
gerações?
Bem, em resumo, a ideia
desse post é mais incentivar as pessoas à reflexão do que trazer respostas
definitivas, aliás, como eu disse, esse é um assunto polêmico por natureza e do
qual precisamos falar, a fim de que possamos, quem sabe, entrar num acordo entre
as diferentes gerações e as produtoras. Parece difícil, mas acredito que dê
para melhorar as nossas conversas a respeito e, consequentemente, os frutos
delas. Mas sejamos menos egoístas com as obras em si, e mais respeitosos com o
público jovem, ok? Quem sabe se nós aprendêssemos a ouvi-lo, esse problema todo
se simplificasse...
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